El Niño: mais IPCA e menos PIB?

O El Niño entrou no radar dos mercados de forma definitiva por conta de seu potencial impacto sobre a produção agrícola e preços – duas variáveis cujas excelentes trajetórias em 2023 ajudaram a moldar o bom momento da economia brasileira neste ano. Duas perguntas se colocam. Primeiro, devemos nos preocupar com um cenário de El Niño extremo? Segundo, quanto do risco do El Niño está embutido nas expectativas?

Este evento climático tem por característica alterar a distribuição de umidade e as temperaturas em várias áreas do planeta, principalmente na zona tropical – por exemplo, ocasionando seca no meio do continente americano e chuvas intensas em suas extremidades. No caso do Brasil, a consequência é a combinação de seca nas regiões Norte e Nordeste e chuvas no Sul. Acontece com alguma frequência, mas excetuando anos de eventos extremos não costumamos observar grande impacto do El Niño nos resultados do PIB agrícola brasileiro e/ou de inflação de alimentos, graças à grande evolução tecnológica que fez a produtividade da terra triplicar da década de 80 para cá. Desde 1950 tivemos 27 eventos de El Ñino, sendo apenas três extremos (1982/1983, 1997/1998 e 2015/2016).


Estaríamos às portas de um novo El Niño extremo? Acredito que ainda é cedo para saber a intensidade do efeito. A apuração topográfica da superfície oceânica pelo Jet Propulsion Laboratory da NASA por enquanto indica que os impactos do El Niño de 2023 devem ser fortemente sentidos nos trópicos, mas o seu efeito global pode não ser tão abrangente ou duradouro como em 1997 ou 2015. No final de outubro destes anos, o nível do Oceano Pacífico central e oriental estava muito mais elevado do que agora, enquanto o do equatorial ocidental estava muito mais baixo.


Porém, vale notar que os registros térmicos no Oceano Pacífico Equatorial subiram de 0,5°C acima da média em maio para 1,5°C acima da média em setembro, segundo relatório da Organização Meteorológica Mundial. Embora isoladamente isto não sele a proximidade de um El Niño extremo nos trópicos, é suficientemente forte para soar o alerta de que a condição climática deve ser considerada ao menos um risco relevante nos prognósticos para 2024.

O pico do efeito do El Niño costuma acontecer entre novembro e janeiro, com os efeitos econômicos se
materializando ao longo do ano entrante, especialmente no primeiro semestre. Para entender a dimensão deste potencial efeito, vale retomar o caso de 2015/2016, último El Niño extremo que nos afetou no Brasil. O resultado foi queda de produtividade agrícola de -11%, com quebra na produção total de grãos de -10% (a produção de feijão, milho e soja caíram -21,8%, -20% e -1,4%, respectivamente). Com isso, o PIB Agropecuário em 2016 registrou uma contração histórica de -5,2% em 2016 e a inflação de alimentos acelerou 6 pontos percentuais entre setembro de 2015 e outubro 2016. Nem as expectativas de inflação nem as projeções de produção parecem, em seus níveis atuais, incorporar um El Niño extremo.


O primeiro prognóstico do levantamento da produção nacional de grãos, cereais, leguminosas e oleaginosas para 2024 (LSPA/IBGE) aponta queda de 2,8% da produção de grãos, muito concentrada na produção de feijão, milho e soja. Vale lembrar que a queda projetada se daria após a supersafra de 2023 – ou seja, o número parece tímido em si, e é ainda menos negativo quando considerado que vem de uma base particularmente alta. O mesmo pode se dizer com relação ao prognóstico de produção por região: o LSPA aponta crescimento da produção de 41,2% no Rio Grande do Sul e queda de 9,6% no Paraná, região que é afetada pelo El Niño com chuvas abundantes, ou -6,2% no Piauí, -2,9% na Bahia e -0,9% no Maranhão – nova fronteira agrícola, conhecida por MATOPIBA – região onde o efeito é de seca intensa.


Apesar do prognóstico otimista do LSPA, a realidade vem se mostrando menos rósea. A primeira safra que ocorre no sul do País, de trigo, está atrasada por conta das chuvas; com isso, o plantio da soja e milho também está atrasado. E a região Centro-Oeste indica que também irá atrasar o plantio destas culturas.

Do lado das expectativas de inflação, dados da pesquisa realizada pelo BCB às vésperas da reunião de política monetária de 1º de novembro sugerem que o consenso para inflação de 2024 em 3,91% não parece incorporar um El Niño extremo. A mediana das estimativas fornecidas pelos noventa analistas consultados apontava para um efeito potencial de 60 pontos-base sobre a inflação de 2024, dos quais apenas 15 pontos estariam incorporados em suas projeções para o ano. Vale notar que as respostas refletem uma grande incerteza sobre os impactos do El Niño, com as estimativas oscilando entre 42 e 100 pontos.


Meu cenário base segue refletindo um caso moderado de El Niño mas, diante do risco, vale o exercício de imaginar o cenário de 2024 em um caso extremo. Assumindo um efeito tão forte quanto o de 2016, a queda da produção agrícola poderia retirar 0,4 ponto porcentual do crescimento do PIB, enquanto a alta de preços de alimentos essenciais como feijão, soja e milho adicionaria diretamente 0,7 ponto porcentual no IPCA – podendo haver efeitos de segunda ordem nos preços de serviços, por exemplo.


Tomando por base o consenso atual da pesquisa Focus, tais efeitos levariam o crescimento do PIB para perto de 1%- uma desaceleração relevante em relação aos 2,8% estimados para 2023 – enquanto a inflação poderia ficar acima do intervalo de tolerância da meta de inflação (3%, com tolerância de 1,5% a 4,5%). E, ainda que a alta de inflação devido a um choque de oferta não se responda com política monetária, é razoável supor que a materialização de um El Niño extremo teria o potencial de atrasar o processo de normalização dos juros.


Tatiana Pinheiro é Economista-chefe de Brasil da Galapagos Capital e
escreve artigos para o Broadcast quinzenalmente, às sextas-feiras

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